Nesse trecho, agora declarado constitucional pelo Supremo, a lei autorizara a utilização, em pesquisas científicas, de dois tipos de embriões humanos: os considerados “inviáveis” e os que estiverem congelados há mais de três anos.
Fontelles argumentara em sua ação que o artigo feria um princípio inserido na Constituição brasileira: o que assegura a "inviolabilidade do direito à vida".
Para ele, a vida começa na fecundação. E o embrião deveria ser protegido, não utilizado em pesquisas.
Prevaleceu o bom senso no julgamento do STF, ainda em curso. Por maioria de votos, os ministros vão consagrando a tese segundo a qual a Lei de Biossegurança fala de embriões que, por “inviáveis” ou congelados há mais de três anos, jamais poderiam vir a se tornar seres humanos, com direito à proteção constitucional.
Até agora, seis ministros do Supremo já proferiram votos contrários à ação de Cláudio Fontelles, ou seja, a favor das pesquisas: Carlos Ayres Britto (relator do caso), Marco Aurélio de Mello Ellen, Gracie, Cármen, Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso.
É número suficiente para fazer maioria no tribunal, composto de onze ministros. Além disso, Celso Mello, o decano do Supremo, está lendo, nesse instante, o seu voto. E vai se encaminhando, também ele, para a liberação das pesquisas, nos termos da Lei de Biossegurança.
Restará a audição do voto do presidente do STF, Gilmar Mendes. Ainda que ele faça reparos à lei –ecoando os colegas Ricardo Lewandowski, Carlos Alberto Menezes Direito e Eros Grau—, a manifestação não terá o condão de modificar a maioria já sedimentada.
Assim, para gáudio da ciência, manteve-se o seguinte quadro:
Os embriões: nos termos da Lei de Biossegurança, podem ser usados em pesquisas científicas os embriões que se encontram em clínicas de fertilização.
Resultam de procedimentos de fertilização in vitro, método de reprodução ao qual recorrem os casais às voltas com o drama da infertilidade.
Uma parte desses embriões é considerada “inviável”. Outra parte, excedente, é congelada até que o casal submetido a tratamento decida o que fazer.
Muitos embriões permanecem no gelo por mais de três anos. Pela lei, esses embriões “inviáveis” e “excedentes” podem ser usados em pesquisas científicas, mediante autorização dos donos.
As pesquisas: As células-tronco embrionárias tornaram-se uma grande promessa da medicina. Verificou-se que elas têm a capacidade de se transformar em tecidos do organismo humano.
Acredita-se que, com a evolução das pesquisas, a chamada terapia celular pode levar à cura de doenças tão graves quanto o diabetes, as distrofias musculares e as lesões de medula que provocam a paraplegia e tetraplegia.
Tudo não passa, por ora, de promessa. Nada está disponível, na prática. Ao liberar os pesquisadores para arregaçar as mangas, o STF como que desobstruiu a esperança. Premiou a aposta do homem na evolução da ciência.
Direito à vida: do ponto de vista da jurisprudência, o julgamento do Supremo avançou num debate importantíssimo, resumido numa pergunta:
Qual é o momento exato em que o embrião evolui da condição de mero aglomerado de células para o estado de ser vivo, com os mesmos direitos assegurados a qualquer cidadão?
Desce agora aos arquivos do tribunal uma decisão que, embora não responda cabalmente à questão, enfrenta-a parcialmente: para a maioria dos ministros, a vida não começa no embrião.
Vale dizer que, num eventual futuro julgamento envolvendo a legalização do aborto, parte-se desse patamar mínimo.
Vários ministros fizeram menção ao aborto. Quase sempre para realçar que as questões relacionadas às pesquisas com células-tronco não se confundem com o problema da interrupção da gravidez.
Gilmar Mendes chegou mesmo a aconselhar: “Não vamos avançar nesse debate.” E Marco Aurélio: “É um tema [o aborto] que espero enfrentar nessa plenário, de forma franca e aberta.”
PS.: O julgamento do STF terminou às 19h04. Proclamou-se o seguinte resultado: por seis votos a cinco, prevaleceu a lei que libera as pesquisas em células-tronco embrionárias. Foram vencidos: Ricardo Lewandowiski, Eros Grau, Menezes Direito, Gilmar Mendes e Cezar Peluso.
Todos os ministros vencidos, com diferenças de gradação, defendiam que a sentença do tribunal incluísse uma observação acerca da necessidade de um órgão central fiscalizar os aspectos éticos envolvidos nas pesquisas.
Coube ao decano Celso Mello e ao relator Ayres Britto lembrar que seis votos haviam considerado improcedente a ação do Ministério Público. Sem enunciar nenhuma consideração adicional.
Na seqüência, o presidente Gilmar Mendes proclamou o resultado. Seco, sem ressalvas. Manteve-se, por constitucional, o texto da lei. E ponto final.
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