A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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28 de maio de 2008

Interessante - Novo Júri


LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA REQUERER AO TRIBUNAL A INCLUSÃO DO PROCESSO EM PAUTA DO TRIBUNAL DO JÚRI, EM CASO DE ATRASO NÃO JUSTIFICADO POR EXCESSO DE SERVIÇO, DE ACORDO COM A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL DO PROJETO DE LEI N. 4.203/01


INTRODUÇÃO

No dia 21/05/08 foi enviado à sanção presidencial o projeto de Lei n. 4.203/01, que altera os dispositivos do Código de Processo Penal relativos ao Tribunal do Júri. Com a expectativa de aprovação no plenário e encaminhamento para sanção presidencial ainda este ano, convém a análise de alteração no instituto do desaforamento (e questões afins), tomando-se por norte o texto aprovado no Congresso, a despeito de tratar-se de assunto de lege ferenda.

1. PRINCÍPIOS QUE INFORMAM O PROJETO

O texto se inspira em predicados de celeridade (direito do acusado ao julgamento em tempo razoável), eficiência (aproveitamento de recursos disponíveis e não-adiamento de atos processuais), simplicidade (instrumentalidade, oralidade e informalismo) e segurança (resposta judicial a demandas sociais).

2. DESAFORAMENTO

O sistema previsto atualmente sofrerá significativa ampliação e o instituto do desaforamento passa a funcionar, também, como mecanismo de controle do tempo processual.

Além das hipóteses atuais (ordem pública, dúvida sobre a imparcialidade do júri ou para segurança pessoal do acusado), o projeto prevê o desaforamento do julgamento em caso de excesso de serviço, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 meses, contado do trânsito em julgado da pronúncia – salvo o tempo de adiamentos, diligências ou incidentes de interesse da defesa.

2.1. DETERMINAÇÃO DE INCLUSÃO PARA JULGAMENTO PELO ÓRGÃO AD QUEM

Não havendo excesso de serviço ou processos aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação nas reuniões periódicas previstas para o exercício, “o acusado poderá requerer” ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento.

3. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE

A exposição de motivos da reforma do CPP, originalmente frisava:

“O sistema de desaforamento alcança um objetivo mais amplo e ganha um espectro de abrangência mais significativo.

Não será motivo de desaforamento apenas a garantia da ordem pública; a dúvida sobre a parcialidade do Júri ou a segurança pessoal do acusado, como no regime atualmente em vigor.

O desaforamento funcionará como mecanismo de controle do tempo de espera para julgamento, com força de estabelecer que o acusado, como regra, sempre será julgado em um prazo não superior a seis meses.

Previu-se que, em havendo excesso de serviço comprovado e o julgamento não puder ser realizado no prazo de seis meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia, o acusado — e somente ele — poderá requerer o desaforamento.

Observe-se que não havendo esse excesso de serviço mas se constatando a inexistência de processos aguardando julgamento, em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal do Júri, nas reuniões periódicas previstas para o exercício, ficando assim demonstrado inexistir motivo para o retardamento, o acusado poderá requerer diretamente ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento.

Embora esta última hipótese não seja de desaforamento propriamente dito, pois o deslocamento do julgamento para outra comarca implicaria em premiar o juiz desidioso, o julgamento dentro do prazo máximo de seis meses passa a ser direito subjetivo irretirável do acusado.”

O texto do projeto, consolidado na CCJ da Câmara dos Deputados, prevê:

“Seção V
Do desaforamento”

“Art. 427. Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.

§ 1º O pedido de desaforamento será distribuído imediatamente e terá preferência de julgamento na Câmara ou Turma competente.

§ 2º Sendo relevantes os motivos alegados, o relator poderá determinar, fundamentadamente, a suspensão do julgamento pelo júri.

§ 3º Será ouvido o juiz presidente, quando a medida não tiver sido por ele solicitada.

§ 4º Na pendência de recurso contra a decisão de pronúncia ou quando efetivado o julgamento, não se admitirá o pedido de desaforamento, salvo, nesta última hipótese, quanto a fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado.” (NR)

“Art. 428. O desaforamento também poderá ser determinado, em razão do comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia.

§ 1º Para a contagem do prazo referido neste artigo, não se computará o tempo de adiamentos, diligências ou incidentes de interesse da defesa.

§ 2º Não havendo excesso de serviço ou existência de processos aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal do Júri, nas reuniões periódicas previstas para o exercício, o acusado poderá requerer ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento.” (NR)

Quanto ao desaforamento, a interpretação dos dispositivos do projeto não deixa dúvida que, em todas as hipóteses de desaforamento (tradicionais e em virtude de morosidade por excesso de serviço), estarão legitimados Juiz, acusação (MP, querelante ou assistente) e defesa. Isso embora o texto pareça restringir a possibilidade de o assistente pleitear o desaforamento no caso de mora por excesso de serviço, vez que tal restrição não se coaduna com o espírito do projeto, que admitiu expressamente a legitimidade do assistente para o pedido de desaforamento, o que não se verifica na sistemática do CPP atual.

A dúvida que surgirá, caso o projeto venha a ser aprovado com a atual redação, diz respeito à morosidade do julgamento (após admissibilidade da acusação) não justificada por excesso de serviço. Nesse aspecto, o texto aprovado parece confirmar a dicção inicial da exposição de motivos, no sentido de que somente o acusado poderia requerê-lo.

Não obstante a conclusão que se extrai de uma primeira leitura consagrar uma exegese restritiva, não há como negar a legitimidade do Ministério Público para tal pleito, o que se afirma sob a ótica do sistema constitucional.

É que o Ministério Público (a quem a Constituição atribuiu o status de defensor da sociedade, da ordem jurídica e dos direitos fundamentais) quando atua como parte no processo penal (sendo o titular da ação penal condenatória), age no interesse público de evitar a impunidade e a prescrição. Nesse sentido, eventual restrição do legislador, prevendo a hipótese como prerrogativa exclusiva da defesa, viola o princípio do contraditório, mais especificamente a paridade de armas, que é seu corolário. E não apenas. A legitimação ministerial ainda encontra respaldo na defesa do interesse indisponível do acusado (todo e qualquer cidadão acusado) de ver-se julgado em tempo razoável, haja vista o prejuízo social, moral e psicológico que o status de processado acarreta ao cidadão.

CONCLUSÕES [1]

1. O desaforamento, nos moldes previstos no projeto de lei n. 4.203/01, passa a funcionar, também, como mecanismo de controle temporal do processo penal: a) para evitar a prescrição e a impunidade; b) para melhor distribuir o ônus da duração do processo entre acusado e sociedade; c) para garantir ao acusado julgamento em tempo razoável.

2. O pedido de desaforamento, em qualquer hipótese, inclusive em virtude de demora no julgamento motivada por excesso de serviço, poderá ser feito pelo Ministério Público, assistente, querelante, acusado ou juiz, conforme interpretação sistemática dos arts. 427 e 428, com a redação que lhes dá o projeto de lei n. 4.203/01.

3. O Ministério Público, atuando no processo penal como parte ou como fiscal da lei, possui legitimidade para requerer ao Tribunal a determinação de julgamento prioritário de processo do júri, em caso de atraso não justificado por excesso de serviço, de acordo com a interpretação constitucional do projeto de lei n. 4.203/01.

Nota do texto:

[1] Conclusões extraídas de tese a ser apresentada no VIII Congresso Estadual do Ministério Público/MG, em Diamantina/MG, no período de 04 a 06/06/08.

Por Rodrigo Iennaco, promotor de justiça- MPMG, in Direito Penal Virtual

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