A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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3 de maio de 2008

Direito Eleitoral: Poder político e delinqüência


Sem uma noção precisa sobre a essência do poder político é difícil compreender a imperiosa necessidade da qualificação moral de quem submete o seu nome à apreciação do eleitorado com o propósito de ser escolhido para comandá-lo. Uma ligeira análise sobre sua finalidade se impõe para melhor compreensão da imprescindibilidade da aferição da vida pregressa de quem postula o exercício do mandato.

O poder se exprime na sociedade por diversas formas. Norberto Bobbio, tomando como base os mecanismos dos quais se utiliza o sujeito ativo para determinar o comportamento do sujeito passivo, o divide em econômico, intelectual e político.

Este último é o mais importante no grupo social, pois detém com exclusividade a força para impor-se aos indivíduos. Todos lhe são subordinados. Sua titularidade pertence a cada cidadão que, sem condições de exercê-lo pessoalmente, delega a sua fração a representantes para que o exercitem em seu nome. Essa delegação, em que se materializa a soberania, encontra-se expressamente reconhecida no § único do art. 1º da Constituição.

Portanto, o poder político, na sua gênese, está associado à idéia de realização do bem-estar coletivo. Exterioriza-se através do governo que conduz o Estado. As pessoas, que nele forem investidas, só devem ter um compromisso: buscar a realização do melhor para a população. O Estado nada mais é do que a organização jurídica da sociedade, com a finalidade única de servi-la, produzindo o Direito para conter a desordem que acabaria por desintegrá-la. Durante o período em que os romanos vivenciaram sua república, lembra Tom Holland, "colocar a honra pessoal acima dos interesses de toda a comunidade era um comportamento digno de um bárbaro - ou, pior ainda, de um rei".

Nesse passo, o governante se assemelha ao síndico de um prédio residencial. As ações deste devem buscar a realização do melhor para os condôminos. Caso, por exemplo, um síndico se aproprie do dinheiro recebido dos moradores, deixando de pagar a conta de água ou de luz do prédio sob sua administração, será imediatamente execrado. Mas não é só. Os condôminos enfurecidos convocam uma assembléia extraordinária para a sua destituição imediata.

Não há possibilidade, num prédio habitado por pessoas normais, da permanência, por mais de um mês, após a descoberta dos seus ilícitos, de um síndico que desvia o dinheiro do condomínio, deixando de pagar as contas vencidas no final do mês. Formar-se-á, naturalmente, um consenso sobre a necessidade de sua imediata destituição.

Em alguns municípios, até o dinheiro destinado ao pagamento dos servidores, é retirado ilicitamente. Continuam, porém, os governantes, no exercício do mandato, sem nenhuma reação efetiva da sociedade. Muitos são reeleitos a despeito dos crimes cometidos à frente do Executivo. Isso está a caracterizar uma grave deformação em relação à finalidade do governo, instituído pela sociedade para realizar sempre o melhor para os cidadãos, nunca para constrangê-los.

Os governantes, que no exercício do poder se excedem cometendo crimes, traem a confiança dos governados. Tornam-se, por isso, desqualificados para continuar no seu exercício ou a ele retornarem. Quem se dispõe a estudar o poder político sabe que os criminosos que transgridem as leis penais, estando seus delitos inequivocamente demonstrados, não devem exercê-lo. Quem comprovadamente comete crime contra o patrimônio público não pode ter contato com o dinheiro da população. Isso é uma regra elementar, em qualquer sociedade, que não aceita a convivência de seus dirigentes com a marginalidade. A questão centra-se na comprovação da existência do crime e de sua autoria. A ampla defesa, assegurada no processo de registro de candidatura, permite que o cidadão, contra o qual pesa acusação da prática de crime, possa demonstrar sua idoneidade. Somente restando comprovada essa idoneidade, deve, então, ter o seu nome incluído no rol dos candidatos, estando, assim, moralmente apto a ser investido no poder, caso seja eleito.

A justiça não julga o nome dos acusados, julga os atos que eles praticaram sob o seguinte enfoque: tais atos violaram ou não a lei. Quando a força do nome supera a força da lei, deixando sem sanção infratores da ordem jurídica pelo prestígio político ou força econômica que desfrutam na sociedade, a democracia acaba ameaçada porque fragilizado o pilar básico de sua sustentação: a igualdade de todos.

Para aplicação correta das normas relacionadas com a investidura no mandato, é necessário compreender que a finalidade do poder político é a realização do bem-estar coletivo. Para a efetivação desse objetivo, as pessoas que se propõem a exercê-lo devem, em primeiro lugar, ter uma noção precisa do que seja supremacia do interesse público e, em segundo, aprender a colocar, em plano inferior, seu interesse particular quando confrontado com o interesse da sociedade.

O interesse público jamais será alcançado a partir da visão obscura que leva em consideração, apenas, aquilo que convém ao interesse pessoal de um indivíduo que detém o poder, ou goze da simpatia daquele que o exerce. Deve toda e qualquer ação do agente público tomar como base a necessária multiplicidade dos beneficiários da atuação estatal. Quem não é detentor de espírito público está desqualificado para exercer mandato político numa democracia. Trata-se de alguém que conseguiu eleger-se para defender apenas os seus interesses. Sua investidura no poder representa, por isso, uma ameaça ao interesse coletivo.

Devem ser avaliados, por isso, os antecedentes de cada cidadão que pretenda exercer mandato político, assegurando-se normatividade ao princípio da exigência da vida pregressa compatível com a magnitude da representação popular, consagrado no art. 14, §9º, da Constituição. Afinal, como adverte Platão: "não existe Estado feliz por si mesmo senão o que se constitui sobre as bases da honestidade". A representação popular exercida por pessoas sem boa reputação acarreta o próprio aumento da criminalidade. Os maus políticos inspiram a delinqüência juvenil.

Por Djalma Pinto, Advogado em Fortaleza (CE). Ex-procurador-geral do Estado do Ceará e ex-professor de Direito Tributário da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), autor do livro Direito Eleitoral publicado pela Atlas - Jornal Carta Forense, sexta-feira, 2 de maio de 2008.

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