A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



Pesquisar Acervo do Blog

20 de junho de 2007

Interceptação das comunicações por determinação do Ministério Público


BOLOGNA — Na Itália, o fenômeno da criminalidade organizada tornou-se mundialmente conhecido através das ações das máfias, que, embora não sejam as únicas formas, são as mais comuns e as que mais causam preocupação entre as autoridades em razão do seu poder de infiltração nas atividades comerciais e políticas do Estado, bem como de sua capacidade de intimidação.

Veja-se, por exemplo, em relação à evolução empreendedora da máfia a partir do início dos anos 1970, ARLACCHI, Pino: La mafia imprenditrice. L’etica mafiosa e lo spirito del capitalismo. Ed. Il Mulino, Bologna, 1983: “La gamma di interventi del potere mafioso a scopo ‘protezionistico’ di mercato è molto varia, e va dalla semplice minaccia all’attentato dinamitardo, fino all’omicidio dei concorrenti”.

Em face desta situação, o legislador decidiu tipificar no Código Penal as “associações tipo mafiosas”, punindo a mera participação no grupo com pena de três a seis anos de reclusão, e os seus “promoventes” ou “dirigentes” com pena de quatro a nove anos de reclusão, além, evidentemente, dos crimes específicos eventualmente praticados pelo criminoso.

Além da tipificação, no âmbito do direito penal, incontáveis foram as medidas de direito processual penal introduzidas na gama da legislação italiana com o objetivo de fortalecer o combate às organizações mafiosas. Dentre elas, a interceptação das comunicações, autorizadas pelo Juiz, continua sendo uma das mais eficientes. A Lei 356, de 7 de agosto de 1992, entretanto, introduziu no sistema processual penal, sob a rubrica de “intercettazione preventive” —no artigo 25, a possibilidade de interceptações de comunicações por determinação direta do Ministério Público, em casos de urgência, quando se entenda que a demora possa resultar em prejuízo para a investigação (artigo 267, números 2 e 3 do Código de Processo Penal).

O promotor que a determinar deve comunicar o juiz no prazo de 24 horas, e este deve ratificar ou anular a medida no prazo de 48 horas. A medida de interceptação de comunicações não deve ultrapassar o período de 15 dias, podendo, entretanto, ser renovada por mais 15 dias, com despacho fundamentado, desde que se verifique que permaneçam as condições estabelecidas para a decretação. Para a efetivação da medida, o Ministério Público pode valer-se de um oficial da polícia judiciária ou proceder a execução diretamente.

Trata-se de medida que busca agilizar a obtenção de prova de conversas de pessoas suspeitas. Verificava-se que o tempo perdido na eventualidade de urgência, para elaboração de requerimento ao juiz, com apresentação de suporte documental poderia tornar inútil a medida em caso de demora. As conversas entre os criminosos acontecem muito rapidamente, e por vezes em questão de horas conversas importantes podem ser perdidas e deixam de se tornar provas contundentes. E a conseqüência é a perda de real oportunidade de punição a criminosos perigosos.

O artigo 267 do Código de Processo Penal Italiano, que prevê expressamente a possibilidade de determinação de interceptação por parte do Ministério Público em caso de urgência está assim redigido:

Artigo 267 Presupposti e forme del provvedimento [...] 2. Nei casi di urgenza, quando vi è fondato motivo di ritenere che dal ritardo possa derivare grave pregiudizio alle indagini, il pubblico ministero dispone l’intercettazione con decreto motivato, che va comunicato immediatamente e comunque non oltre le ventiquattro ore al giudice indicato nel comma 1. Il giudice, entro quarantotto ore dal provvedimento, decide sulla convalida con decreto motivato. Se il decreto del pubblico ministero non viene convalidato nel termine stabilito, l’intercettazione non può essere proseguita e i risultati di essa non possono essere utilizzati.

Como se vê, trata-se de medida que foi colocada em prática após anos de experiência no combate à criminalidade organizada na Itália, e que se mantém em vigência, produzindo efeitos altamente positivos, com inúmeros casos bem sucedidos.

Enfim, é preciso copiar aqueles que já enfrentaram o problema e forma a tornar o trabalho mais eficiente. É resultado desejado pela população, a quem o Ministério Público representa. É medida altamente salutar, perfeitamente cabível no sistema constitucional vigente no Brasil, e, mais que tudo, necessário. Se é hora de mudar a legislação, façamo-la melhor, mais eficiente, pelo bem da sociedade.

por Marcelo Batlouni Mendroni, promotor de Justiça em São Paulo. Formado pela PUC-SP em 1987, é doutor pela Universidad Complutense de Madrid (Espanha) em direito processual penal e pesquisador pós-doutorado pela Universidade de Bologna (Itália). www.ultimainstancia.com.br - Quarta-feira, 20 de junho de 2007

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Atuação

Atuação

Você sabia?

Você sabia?

Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)