A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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28 de março de 2007

Caráter Universal do Pólo Passivo da Notificação Recomendatória Expedida Pelo MP


PROCESSO CNMP nº 0.00.000.000515/2006-11

RECLAMAÇÃO PARA PRESERVAÇÃO DE AUTONOMIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

INTERESSADO: CORREGEDORIA-GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MATO GROSSO

RELATOR: CONSELHEIRO OSMAR MACHADO FERNANDES


EMENTA: Ministério Público. Possibilidade de expedição de 'recomendação' por membro do Ministério Público a autoridade do Poder Judiciário quando esta se encontra no exercício de atividade administrativa. Instrumento de atuação ministerial que encontra fundamento no art. 27, §ú, IV, da Lei 8.625/93 e no art. 6°, XX, da LC n° 75/93. Remessa de cópia desta decisão às corregedorias do MP e PJ do Estado do Mato Grosso.

RELATÓRIO

Trata-se de representação da Corregedoria-Geral do MP/MT (fI.02) que comunicou possível desrespeito à autonomia e independência funcional daquele parquet em decorrência de decisão da Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Mato Grosso nos autos do Pedido de Providência n° 272/2006, que tramitou no Tribunal de Justiça do Estado e teve como solicitante o Juízo da 2a Vara da Comarca de Cáceres e como solicitado o Des. Corregedor-Geral do TJ/MT (fls. 137-142).

De acordo com a Corregedora-Geral do Ministério Público do Mato Grosso, Ora. Eliana Cícero de Sá Maranhão Ayres, a Corregedoria do Tribunal de Justiça do MT, nos autos do Pedido de Reclamação acima identificado, feriu a autonomia e a independência funcional dos membros do Ministério Público ao entender que não cabe ao parquet a expedição de recomendações a magistrados, uma vez que os membros do Ministério Público detêm diversos recursos judiciais para combater as situações que eventualmente entendam ilegais.

Instruíram o feito cópia integral do Pedido de Reclamação (fls. 04-136), cópia da decisão de arquivamento daquele feito em que explicitada a opinião da Corregedoria Geral de Justiça do TJ/MT pela cessação da prática de o Ministério Público expedir recomendações a magistrados (fls. 137-142), e, por fim, cópia da decisão final do expediente MP/MT n° 004284-01/2006 que analisou a decisão da Corregedoria Geral de Justiça (fls. 143-147).

É o relatório.

VOTO

Trata-se da análise de decisão da Corregedoria Geral da Justiça do Poder Judiciário do Estado do Mato Grosso que, por intermédio de expediente de "Pedido de Providências" originário de representação da MM. Juíza da 2a Vara de Cáceres/MT, entendeu, em suma, não caber ao Ministério Público a expedição de recomendações ministeriais a magistrados.

Com base nos documentos que instruíram feito, verificou-se que o Promotor de Justiça Dr. Ricardo Alexandre Soares Vieira, com atuação na 2a Promotoria Criminal de Cáceres, expediu Notificação Recomendatória (fls. 20-24) à MM. Juíza de Direito da Comarca de Cáceres, Dra. Christiane da Costa Marques Neves Silva, objetivando garantir a manifestação do órgão do Ministério Público nos casos determinados pelo art. 310, § único, do CPP (manutenção da prisão em flagrante nos casos em que não couber prisão preventiva).

Irresignada com a atitude do membro daquele parquet, a magistrada, em correspondência por ela subscrita (fls. 07-19), ponderou sobre os considerandos da recomendação ministerial, mormente quanto à interpretação do dispositivo legal objeto da controvérsia e, por fim, noticiou a remessa de cópia de sua manifestação e de outros documentos a ela relativos à Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Mato Grosso, à AMAM e à Corregedoria Geral do MP/MT, o que ensejou, no âmbito daquela Corregedoria, o ato aqui questionado.

Dentre os instrumentos de atuação do Ministério Público encontra-se o expediente da 'recomendação', que possui previsão legal nos seguinte dispositivos legais:

Constituição Federal de 1988

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
IX - exercer outras funções Que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Lei 8.625/93

Art. 27. Cabe ao Ministério Público exercer a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhe o respeito:
(...)
Parágrafo único. No exercício das atribuições a que se refere este artigo, cabe ao Ministério Público, entre outras providências:
(...)
IV - promover audiências públicas e emitir relatórios, anual ou especiais, e recomendacões dirigidas aos órgãos e entidades mencionadas no caput deste artigo, requisitando ao destinatário sua divulgação adequada
e imediata, assim como resposta por escrito.
(grifei)

De forma análoga, a Lei Complementar n° 75/93, que também se aplica subsidiariamente aos Ministérios Públicos Estaduais por força do art. 80 da Lei 8.625/93, também trouxe em seu bojo disposições sobre o expediente da 'recomendação', a saber:

Lei Complementar n° 75/93

Art. 2° Incumbem ao Ministério Público as medidas necessárias para garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Constituição Federal.

Art. 6° Compete ao Ministério Público da União:
(...)
xx - expedir recomendações. visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública. bem como ao respeito aos interesses, direitos e bens cuia defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para adoção das providências cabíveis.

Art. 8° Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:
(...)
§ 4° As correspondências notificações, requisições e intimações do Ministério Público quando tiverem como destinatário o Presidente da República, o Vice-Presidente da República, membro do Congresso Nacional, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro de Estado, Ministro de Tribunal Superior, Ministro do Tribunal de Contas da União ou chefe de missão diplomática de caráter permanente serão encaminhadas e levadas a efeito pelo Procurador-Geral da República ou outro órgão do Ministério Público a quem essa atribuição seja delegada, cabendo às autoridades mencionadas fixar data, hora e local em que puderem ser ouvidas, se for o caso. (grifei)

Abstraída a situação de fundo que instigou a manifestação da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Mato Grosso, e considerando que o entendimento manifestado pelo Corregedor do TJ/MT, ao final de sua decisão se refere à proibição de qualquer tipo de recomendação feita pelos agentes ministeriais aos membros do Judiciário, o que se observa é que as disposições constitucionais e infraconstitucionais acima transcritas não permitem dúvidas sobre a capacidade do Ministério Público expedir 'recomendações' a quaisquer órgãos e entidades, desde que observadas, por certo, a área de atuação material de cada um dos ramos dos Ministério Público, bem como a finalidade de atuação fixada no âmbito da Lei Maior.

Em verdade, necessário lembrar que os poderes públicos em todos os níveis, apesar da independência a eles garantida, devem harmonizar-se, isto é, devem guardar respeito e integração entre si. No caso específico do exercício de atividades eminentemente administrativas pelo Poder Judiciário, certo está que o Ministério Público poderá intervir e, se assim for o caso, utilizar-se do expediente da 'recomendação'.

Em outras palavras, não há e nem poderia existir, ao contrário da tese explicitada ao final da decisão ora contestada, proferida pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Mato Grosso, imunidade total do Poder Judiciário à atuação do Ministério Público, visto que a execução das incumbências ministeriais fixadas no art. 127, caput, da Constituição Federal de 1988 não dispensa amplo espectro de atuação.

A título exemplificativo, menciona-se que por força do §4° do Lei Complementar n° 75/93, até mesmo os tribunais superiores - Supremo Tribunal Federal e dos vários Tribunais Superiores (STJ, STE, STM, TST), todos representantes máximos do Poder Judiciário em nosso país, podem receber, desde que atendidas as formalidades legais, correspondências, notificações, requisições e intimações do Ministério Público.

Não há, portanto, fundamento legal que justifique ter entendido aquela douta Corregedoria Geral de Justiça que o Ministério Público não poderia expedir recomendações a membros do Poder Judiciário daquele Estado. Por certo, e isso se infere do texto constitucional, quando o Ministério Público atua na defesa da ordem jurídica não faz distinção do tipo de legislação a ser defendida, se processual, material, constitucional, infraconstitucional, etc.

A atuação como custus legis, em suma, está presente na atuação judicial e extra-judicial do Ministério Público, o qual, neste mister, poderá sempre utilizar o expediente da 'recomendação' – que geralmente é mais amplo em sua abrangência, independentemente da autoridade ou do órgão destinatário.

Dessa forma, ante a decisão da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso de tentar vetar a função institucional do Ministério Público de expedir 'recomendação', a qual possui previsão legal no art. 27, §ú, IV, da Lei 8.625/93 e no art. 6°, XX, da LC n° 75/93, voto no sentido de que se declare tal atentado à autonomia ministerial e, em conseqüência, se encaminhe cópia, para conhecimento, desta decisão proferida nos autos do Pedido de Providências n° 272/2006, ao requerente e à Corregedoria do TJ/MT, de modo que sejam respeitadas as garantias constitucionais dos membros do Ministério Público com relação à possibilidade de expedição de 'recomendação' a autoridades judiciárias no exercício de atividades administrativas.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos do processo no 0.00.000.000515/2006-11, acorda o Pleno do Conselho Nacional do Ministério Público, por maioria de votos, reconhecer a decisão da Corregedoria do TJ/MT proferida nos autos do Pedido de Providências n.° 272/2006 como atentado à autonomia ministerial, nos termos do voto do relato, encaminhando cópia desta decisão às Corregedorias do MP/MT do TJ/MT.

Brasília/DF 05 de março de 2006.

Osmar Machado Fernandes
Conselheiro Relator
www.cnmp.gov.br

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Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)