A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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16 de março de 2007

Art. 41 da L. 11340 - Inconstitucional


Da inconstitucionalidade do novel art. 41 da Lei 11340/06 e da necessidade da utilização do método da Interpretação Conforme a Constituição, firmando-se a competência do Juizado Especial Criminal para as infrações de menor potencial ofensivo.

Recentemente, a ordem jurídica nacional sofreu alteração um tanto sorrelfa, quando o legislador infraconstitucional, mediante a criação da Lei 11340/06, vulgarmente conhecida como Maria da Penha, aboliu qualquer chance de aplicabilidade da Lei 9099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente de qualquer pena, conforme se verifica do art. 41 do diploma em testilha.

Ita lex decit:

“[...]Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9099, de 26 de setembro de 1995[...]”.

Neste diapasão, visando agravar o rigor dos crimes praticados violentamente contra a mulher, seja a violência física, psicológica, sexual ou moral e matrimonial ( art. 7º, I a V da Lei 11340/06), a mens legis foi a de proibir toda e qualquer aplicação da Lei 9099/95 para os crimes praticados contra a mulher, desde que possuam como âmbito normativo e de espaço físico a unidade doméstica, o âmbito da família, incluindo aquela decorrente de laços de afinidade e as relações íntimas. (Pressupostos de aplicação da Lei 11340/06, escolhidos objetivamente pelo legislador ordinário nos art. 5º, incisos, I, II, e III da norma protetiva da mulher).

Ocorre que, cotejando-se o dispositivo legal em comento com a redação clara do art. 98, I, da CRF/88, vê-se que o legislador constitucional outorgou a lei ordinária o dever de regulamentar o conceito daquilo que resolveu chamar de infração de menor potencial ofensivo, assim dispondo:

[...]Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau[...]

Sendo assim, diante da necessidade de concretização do texto constitucional, o legislador ordinário, quando da promulgação da Lei 9099/95, definiu aquilo que poderia adequar-se ao conceito de menor potencial ofensivo, definindo no seu art. 61 todas as contravenções penais e os crimes cuja pena máxima não fosse superior a um ano, excetuados os casos legais de previsão para adoção do procedimento especial, sem embargo da modificação posterior do conceito trazida pela redação original art. 2º Parágrafo único da Lei 10259/01, posteriormente alterado pela Lei 11313/06 (Assim rezava a redação original do art.2º Parágrafo único da Lei 10259/2001: “Art.2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo. Parágrafo único: Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 02 anos, ou multa.” Posteriormente, com a mudança da ordem jurídica trazida pela Lei 11313/06, assim passou a ser a redação: “ Art. 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. Parágrafo único: Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrente da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.” (NR) (Redação dada ao artigo pela Lei nº 11.313, de 28.06.2006, DOU 29.06.2006).

Portanto, a infração de menor potencial ofensivo foi e é uma determinação constitucional, além de constituir-se também como um direito e garantia constitucional do cidadão em face do Estado, razão pela qual não é licito ao legislador infraconstitucional violar a norma constitucional, a qual ocupa o status superior, abolindo-se o conceito de infração de menor potencial ofensivo, quando este vier a ocorrer nas hipóteses do art. 5º da Lei 11340/06.

Pela interpretação trazida pelo art. 41 da Lei 9099/95, a implementação do Juizado de Violência Doméstica ab-rogou o tradicional conceito de infração de menor potencial ofensivo, quando na verdade deveria apenas vedar a aplicabilidade dos institutos despenalizadores trazidos pela lei dos Juizados Especiais, tais como a composição dos danos civis, transação, a suspensão condicional do processo, o que em nada infringiria a Constituição, já que a próprio constituinte originário delegou ao legislador ordinário a prerrogativa de estabelecer quais as hipóteses de incidência ou não dos citados institutos. Vale a pena lembrar da parte final do art. 98, I, da Constituição Republicana de 1988:

[...]infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau[...].

Deste modo, melhor seria que assim fosse disposta a redação do art. 41 da Lei 11340/06: [...] Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independente da pena prevista, não podem ser aplicados os institutos despenalizadores da composição de danos civis, da transação penal e da suspensão condicional do processo penal.[...].

Neste diapasão, caberia ao Ministério Público discernir quais os crimes que estariam tipificados no conceito de menor potencial ofensivo, ajuizando as competentes ações penais no juizado de violência doméstica ou na vara criminal enquanto não criados aqueles, quando as penas máximas fossem superiores a dois anos, ou então, remeter os feitos aos Juizados Especiais Criminais, para os crimes com pena máxima não superior a dois anos, então com a vedação legal de aplicação dos institutos despenalizadores.

De fato, não sendo esta a redação da norma em comento, não há óbice à aplicação do Princípio da Interpretação Conforme a Constituição, a qual visa buscar a interpretação que não contravenha o texto constitucional.

Dissertando sobre o Princípio, o baluarte do professor Luís Roberto Barroso:

[...] O conceito sugere a necessidade de buscar uma interpretação que não seja a que decorre da leitura mais óbvia do dispositivo. É, ainda, da sua natureza excluir a interpretação ou as interpretações que contravenham a Constituição. À vista das dimensões diversas que sua formulação comporta, é possível decompor didaticamente o processo de interpretação conforme a Constituição nos elementos seguintes: a) trata-se da escolha de uma interpretação da norma legal que a mantenha em harmonia com a Constituição, em meio a outra ou outras possibilidades interpretativas que o preceito admita. b) Tal interpretação busca encontrar um sentido possível para a norma, que não é o que mais evidente resulta da leitura de seu texto. c) além da eleição de uma linha de interpretação, procede-se à exclusão expressa de outra ou outras interpretações possíveis, que conduziriam a resultado contrastante com a Constituição [...].(BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e a aplicação da constituição. ed: Saraiva: São Paulo; 3ª.ed, 1999).

Ad conclusum, somente com a utilização do Princípio da Interpretação Conforme a Constituição, meio de interpretação e de decisão constitucional, será possível a salvação da norma, devendo o Ministério Público ajuizar as ações penais nos órgãos judiciais que entender competentes, ou seja, as varas criminais ou os Juizados Especiais Criminais, postulando a negativa de aplicação do art. 33 e a interpretação conforme do art. 41 da Lei 11340/06, efetivando-se assim o controle difuso de constitucionalidade, incidente em qualquer causa e juízo, ante o evidente equívoco do legislador federal.

por CEAF - MPMG.

2 comentários:

Anônimo disse...

Essa interpretação conduz a uma melhor aplicação do sistema punitivo estatal, resguardando uniformidade à ele. Entretanto, resta pendente a análise acerca da necessidade de representação da ofendida nas infrações de lesão corporal leve e de lesão culposa instituída pelo art. 88 da Lei 9099/95, afinal, esse talvez seja o ponto mais polêmico da novel lei.

Anônimo disse...

Com a devida vênia, entendo não haver qualquer inconstitucionalidade.
A norma jurídica que rege os crimes de menor potencial ofensivo encontra-se positivada por meio de leis ordinárias (Lei 9.099/95, Lei 11.340/06, dentre outras),

Assim, a *norma*, após a vigência da Lei Maria da Penha Maia giza que são infrações de menor potencial ofensivo "as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena não superior a dois anos, EXCETUANDO-SE OS COMETIDOS COM VIOLÊNICA CONTRA A MULHER NO ÂMBITO DOMÉSTICO OU FAMILIAR..."

Onde a inconstitucionalidade?

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