O óbvio - sempre
- precisa ser dito!
Essa máxima lembra a anedota do antigo
marinheiro que, antes de se lançar ao mar, consultava seu “dicionário náutico”
a fim de se recordar do seguinte: ”proa fica à frente, popa atrás, bombordo à
esquerda e boreste à direita”.
A exemplo do velho marinheiro, é
importante que o operador do direito nunca se esqueça da univocidade do
termo soberania dos veredictos, cujo significado é a
impossibilidade de outro órgão judiciário substituir ao Júri na decisão de uma
causa por ele proferida. O julgamento dos crimes de sangue está ligado
ao princípio da soberania popular, pois pertence exclusivamente ao povo.
No Tribunal do Júri, o veredicto do
Conselho de Sentença, por força da Constituição Federal (artigo 5º, inciso
XXXVIII), é soberano. Sua desconstituição só é possível quando for
manifestamente contrário à prova dos autos. É defeso a qualquer órgão
jurisdicional a reforma da sentença para absolver/condenar o acusado. A propósito,
o advérbio “manifestamente”, empregado pelo legislador no artigo 593, inciso
III, letra “d”, do Código de Processo Penal, bem evidencia que só se admite a
anulação do julgamento quando a decisão estiver dissociada inteiramente da
prova do processo.
Bem entendida, decisão manifestamente
contrária à prova dos autos é aquela que não tem apoio em prova alguma, que foi
proferida ao arrepio de tudo quanto mostram os autos, que não encontra o mínimo
eco no acervo de provas.
Assim, se apresentadas duas versões e
se os jurados optaram por uma delas, entendendo que é a que melhor respaldo
encontra no conjunto probatório, nenhum reparo se pode opor ao veredicto.
Por força de filtragem do caso
realizada na fase de pronúncia (artigo 414 do Código de Processo Penal),
sobretudo pela análise da prova de existência do crime e de indícios
suficientes de autoria e/ou participação, dificilmente, haverá decisão
manifestamente contrária em caso de condenação.
Ora, só é admissível determinar-se o
julgamento do acusado pelo Tribunal do Júri quando houver provas mínimas de sua
concorrência para o crime doloso contra a vida e/ou crime conexo. A
(im)pronúncia, então, que realiza o juízo de admissibilidade do julgamento
popular, é o instrumento necessário a afastar a possibilidade de condenação de
pessoa, provavelmente, inocente. Havendo risco razoável de condenar-se um
inocente, o caminho não é a sentença de pronúncia, mas a impronúncia ou a
absolvição sumária. Daí a necessidade legal do caso ser filtrado pela
magistratura togada, para que processos tíbios de elementos probatórios não
sejam submetidos à análise dos jurados.
Diante de tal quadro, não se pode
afirmar que o veredicto condenatório estará em manifesto desacordo com a prova
constante nos autos. Em outros termos, encontrando o veredicto respaldo nos
dados indicados na sentença de pronúncia (prova da materialidade e indícios
suficientes de autoria/participação), não é possível afirmar que ele é
manifestamente contrário à prova dos autos, sob pena de negativa de vigência ao
princípio constitucional da soberania dos veredictos do Júri.
Na realidade, os casos mais comuns de
decisão manifestamente contrária à prova dos autos ocorrem diante de veredicto
absolutório. São aquelas absolvições absurdas em evidente afronta às provas
demonstrativas da responsabilidade penal do acusado. O erro judiciário
ocorrerá, então, com a absolvição do culpado.
Por isso, e outras razões, é que os
veredictos dos jurados devem ser imediatamente executados. Eventuais nulidades
processuais devem ser atacadas pela via de habeas corpus e
veredictos flagrantemente injustos podem ser suspensos cautelarmente pelo
Tribunal de Apelação. Esses casos, certamente, serão a exceção, e a
exceção não faz a regra.
A conclusão é clara. É uma afronta à soberania
popular, à democracia, à cidadania e ao sentimento básico de justiça alguém
julgado publicamente, com a franquia da plenitude de defesa, e condenado
legitimamente pelo titular de todo o poder, o povo, deixar o Tribunal do Júri
livre e solto para recorrer em liberdade, cujo recurso servirá apenas para
procrastinar a concretização da jurisdição, haja vista a impossibilidade de
reforma do veredicto condenatório por outro órgão do Judiciário. Isso é
óbvio!
Por César Danilo Ribeiro de Novais,
Promotor de Justiça do Tribunal do Júri em Mato Grosso, Ex-Presidente da
Associação dos Promotores do Júri e autor do livro “A defesa da vida no
tribunal do júri”
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