
Existe uma lógica por trás da mentira
Por excêntrico que pareça, há uma lógica por trás dos panetones de Arruda. Na verdade, existem até duas lógicas.
Na mais terrena delas, a da estratégia de defesa, costuma ser vantajoso para o acusado alegar qualquer coisa que não o incrimine, por mais mirabolante que pareça. Cabe à acusação demonstrar que a história é falsa. Se não conseguir, prevalece a presunção da inocência.
Essa hierarquia talvez não seja a melhor para efeitos de combate ao crime, mas é crucial para o Estado de Direito.
A segunda lógica é mais sutil. Ela está entranhada na natureza humana: somos todos mentirosos patológicos.
Crianças começam a mentir por volta dos três anos, idade em que ainda não conseguem proceder a cálculos sofisticados como "o que eu devo fazer para escapar à punição". De acordo com Laurence Tancredi, em "Hardwired Behavior: What Neuroscience Reveals about Morality", crianças mentem por diversos motivos, como evitar castigos, ou simplesmente porque enganar é divertido.
Tancredi elenca trabalhos dos EUA que mostram que 60% das pessoas mentem regularmente, numa média de 25 vezes diárias. A maioria das inverdades tende a ser inocente, como elogiar a comida mesmo quando intragável. É uma mentira socialmente necessária.
Como somos bons em mentir, somos também bons em detectar mentiras dos outros. Sai-se melhor o sujeito que acredita nas próprias lorotas, daí o surgimento do autoengano, tão importante na psicanálise.
A questão que fica é: como conciliar isso tudo? Quem esboça uma resposta é Steven Pinker em "How the Mind Works". Para ele, nossos cérebros são multipartidos: se uma parte de nós se deixa enganar, há outra que sabe a verdade.
Assim, o propósito das desculpas de políticos pegos com a boca na botija talvez não seja apenas enganar eleitores e juízes. Uma parte de seus cérebros sabe que tudo não passa de história para boi dormir. A questão é: o que se dá com a outra parte? Pinker responde: "O autoengano é a mais cruel das motivações, pois nos faz sentir bem quando estamos errados e nos encoraja a lutar quando deveríamos nos render".
Por Hélio Schwartsman, articulista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001.
Fonte: Jornal "A Folha de S. Paulo" de 11/02/2010.
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