2 de maio de 2023

Júri: Desventuradíssimo Sujeito

 


"A acusação fora frouxa; a defesa fora calorosa e clara, e calara no espírito do júri. O réu sentia que a palavra do seu advogado ia pouco a pouco abrandando os corações dos jurados, e transformando-lhes as rijas fibras musculares em mole cera. E o desgraçado exultava. Pelas janelas do velho casarão do antigo Museu, mirava ele lá fora o céu azul, o livre céu luminoso retalhado pelo livre revoar das andorinhas. (...) A oração do advogado acabara. Alguns jurados, comovidos, enxugavam os olhos. O presidente do tribunal, do alto do estrado, lançava sobre o réu um olhar enternecido e amável. Formularam-se os quesitos. Fechou-se sobre o júri a porta da sala secreta. E toda a gente que enchia a sala das sessões rejubilava e sorria, certa de que o homem seria absolvido. Puro engano! Quando o presidente leu as respostas aos quesitos formulados, houve um espanto grande e indizível: o sujeito estava condenado a quinze anos de prisão! Como? Por que? - os jurados não tinham medido as palavras, tinham confundido as respostas, tinham trocado os quesitos, e força era declarar o réu criminoso... Em vão, tentando demover do seu propósito o juiz, clamava o advogado que a intenção do júri fora outra, pois não havia ali um jurado que não estivesse convencido da inocência do mísero. Em vão! O juiz declarou terminantemente que de boas intenções está o inferno calçado, e o pobre diabo teve de desistir dos seus belos projetos de bom jantar e de noitada alegre; e voltou para a cadeia, sem compreender aquela atrapalhação".

BILAC, Olavo. Obra reunida. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S/A, 1996, p. 423.

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